De 1913 para cá, muitos foram os clubes das mais diferentes cidades fluminenses, e até de outros estados, que se apresentaram em Campos
O intercâmbio do futebol campista com o de outros centros começou muito cedo, conforme dá ciência matéria publicada no dia 22 de junho de 1913, pela Folha do Comércio, que anunciava a chegada do Anglo-Brasileiro "da adeantada capital da República para jogar com o Goytacaz". A viagem da comitiva carioca se deu pelo trem noturno e sua equipe se constituía de alunos do Ginásio Anglo-Brasileiro, do Rio de Janeiro.
Aquele jornal também adiantava que dois jogadores do América reforçariam o Anglo, tendo ainda contado que a delegação fora recebida na estação pelas comissões dos clubes Goytacaz, Internacional, Rio Branco, e Quinze de Novembro, notando-se, também, a presença de diversas famílias. Na oportunidade foi tirada uma fotografia da equipe, pelo Sr. José Xavier de Siqueira e, a seguir, os visitantes tomaram alguns carros postos à disposição, fazendo um passeio pela cidade. Finalmente, dirigiram-se para o Hotel Gaspar, onde ficaram hospedados.
O jogo entre o Anglo-Brasileiro e o Goytacaz foi na Chácara Dubois, tendo servido de juiz o conhecido jogador do Fluminense FC. Sr. Augusto Totta Rodrigues. O time carioca se apresentou com Cavalcante; Moreira e Quadros; Renato, Wilson e Lourenço; Viana, Celso, Juquinha, Araújo e Álvaro, e o Goytacaz com Cadete; José e Coopeland; Manhães, Nélson e Estevan; Deodoro, Samuel, Suppa, Seixas e Lincoln. Na véspera desse jogo houve um baile no salão do Hotel Gaspar, que apresentava sua fachada "profusamente iluminada por lâmpadas elétricas, dando um belíssimo aspecto".
De 1913 para cá, muitos foram os clubes das mais diferentes cidades fluminenses, e até de outros estados, que se apresentaram em Campos. Equipes estrangeiras, como a do Porto Futebol Clube, de Portugal, além do Landskrona, da Suécia, jogaram na planície, bem como as seleções chilena, argentina e uruguaia, essas no tempo do amadorismo.
Para o jornalista Hervê Salgado Rodrigues, a página mais brilhante escrita pelo futebol campista ocorreu em outubro de 1922, logo depois dos festejos, no Rio de Janeiro, do centenário da Independência do Brasil.
Na capital federal, em setembro, presente o Rei Alberto, da Bélgica, e as maiores autoridades do país, foi disputado um mini-sulamericano, com a participação dos escretes brasileiro, uruguaio, argentino, chileno e paraguaio.
- Acontece - lembra Hervê em matéria de página inteira de A Notícia - que dera com os costados aqui em Campos um jogador uruguaio, o Pedro Marsullo, vinculando-se ao Americano. Depois, acabado o seu futebol, permaneceria em Campos por muitos anos, como treinador, primeiro do Americano e depois do Goytacaz, deste já na fase contemporânea, quando surgia como astro o famoso Titio, por quem Marsullo tinha grande admiração. E foi Marsullo quem, com Armando Carneiro e Antoninho Manhães, a pedido do presidente Luís Andrade Cavalcante - o homem que construiu a arquibancada do antigo campo do Americano, na Rua São Bento - teve a tarefa de convidar o selecionado uruguaio para jogar em Campos. A representação oriental havia empatado de 0x0 com o Brasil no mini-sulamericano, ganhando os demais concorrentes. Em Campos jogou num sábado e num domingo, só conseguindo um empate no segundo dia, depois de perder na véspera.
A narrativa de Hervê Salgado Rodrigues é completa. Dela fazem parte todos os detalhes dos dois jogos, a expectativa do torcedor, o cavalheirismo dos capitães dos quatro times e a conduta dos juízes.
- Os dois jogos foram no antigo campo do Americano, com os campistas sendo representados por jogadores do Goytacaz e Americano. No primeiro jogo, dia 13 de outubro, o combinado B local derrotou o time reserva uruguaio por 3x0, gols de Gradim (2) e Carneiro. A representação campista se apresentou com Cleveland; Ernesto e Alvarenga; Demerval, Hugo e Carneiro; Newton, Cobian, Dulcino, Gradim e Artur, e a uruguaia, reforçada de Pedro Marsullo, com Belantez; Noguez e Pardinaz; Bronzini, Vidal e Marsullo; Caballero, Baillarino, Olivieri, Nogutti e Somma. O juiz foi o uruguaio Abril Perez. Esse resultado de 3x0 para os campistas apavorou os uruguaios, que chegaram a duvidar existir melhor time por aqui.
Segundo Hervê, o domingo 14, dia do encontro entre o combinado A e a seleção titular uruguaia, surgiu em meio à excitação da população local. Às 13 horas, por ordem da polícia, foi impedida a venda de ingressos, já que o campinho da Rua São Bento não comportava mais nenhum alfinete. Houve a preliminar entre os segundos quadros do Goytacaz e Americano, que terminou sem abertura de contagem e, depois de discursos, trocas de corbeiles e a tirada do toss pelo juiz uruguaio Ricardo Vallorino, começou o jogo. De um lado o combinado campista com David; Luís e Soda; Vicente, Malvino e Zurlinden; Pires, Lula, Antoninho, Mário Seixas e Reginaldo. Do outro, a seleção uruguaia com Batigwan; Tereja e Pardinnas; Aguirre, Zibechi e Bronzini; Otero, Romano, Bufani, Cassanelo e Somma.
- No meio minuto que antecedeu o início do jogo, os chapéus de palhinha tremeram nas cabeças dos homens, os decotes pulsaram, ao mesmo tempo em que as bocas pintadas em coração das melindrosas fremiam de emoção.
Da matéria de A Notícia constava a descrição do encontro:
"Os uruguaios logo demonstraram que não eram os da véspera, a ponto de Malvino, o homem que dominava o meio do campo e cantava o jogo para os companheiros, ter ficado meio tonto. Mas Vicente, Zurlinden, Soda e David garantiram a parada de tal modo que, apesar do domínio territorial dos visitantes, o primeiro tempo terminou zero a zero. No segundo tempo foi que tudo o que tinha de acontecer, aconteceu. Inicialmente, o gol uruguaio, após trama de Zibecchi, Otero e Somma, que concluiu sem defesa para David.
Também foi só o Uruguai fazer um a zero para Malvino crescer na cancha, Mário Seixas começar a fazer diabruras e a torcida local passar a esperar o empate. O pênalti de Zurlinden em Romano foi transformado pelo juiz uruguaio em toque do atacante e um alívio tomou conta de todos, até que, no último minuto, Malvino escorou a bola no peito, entregando-a a Lula. Este rápido, serviu a Pires, que venceu a seu marcador e deu para Mário Seixas. Mário, numa esnobação muito sua, fintou o grande Tejera duas vezes. Depois, sozinho diante do goleiro, com o lado do pé como Pelé para Carlos Alberto no gol do Presidente Médici, fez a bola rolar para Antoninho que vinha na carreira e fuzilou. O goleiro uruguaio ainda se atirou e conseguiu tocar na bola, que bateu no seu braço e subiu de encontro às redes. Chapéus de palhinha voaram para o gramado, houve a invasão e o juiz terminou o jogo. À noite, no Clube dos Políticos, rolou champanhe, na confraternização entre campistas e uruguaios".
Muito antes, a 13 de outubro de 1913, segundo o pesquisador Nilo Terra Arêas, a seleção chilena visitou Campos, ganhando o Aliança por 7x0. O time campista formou com Coopland; José e Rafael; Phillips, José II e João Seixas; Urbano Suppa, Didu, Sinhô Campos, Claudinier e Olivier. Os chilenos jogaram com Paredes; Vick e Spindola; Abella, Gonçalves e Parras; Sepulveda, Valenzuela, Guzman, Hormanzabal e Spinoza.
A 28 de julho de 1937, Americano e Aliança, o da usina e não aquele que enfrentou os chilenos, em 1913, formaram um combinado e jogaram contra uma seleção argentina, na Rua São Bento. O placar final foi de 4x1 para os visitantes, gols de Helbo, para os locais, e Echechepia, Gomez e Chaniz (2) para os argentinos, que se exibiram em Campos com o nome de Bocca Varella, com esta formação: Garcia; Villa e Londolfi; Ponipei, Atagnaro e Arcadi; Valido, Echechepia, Gomez, Del Giudica e Chaniz. O combinado Americano-Aliança contou com Eiras (Nagib); Tote e Salvador; Amor, Lessa e Neto; Jorge, Cid (Lelé), Poli (Cid), Neneca (Helbo) e Helbo (Rebite).
Equipes como as do Flamengo, Fluminense, Botafogo, América, Portuguesa, Olaria, Bonsucesso, Madureira e Vasco da Gama cansaram de jogar em Campos muito antes de o futebol local ingressar, a convite, nos campeonatos dos quais Americano e Goytacaz participam de alguns anos para cá. É bom lembrar, também que coube ao futebol campista a primazia de, enfrentando um clube carioca, participar do primeiro jogo noturno disputado no Brasil e, quem sabe, na América do Sul. Sobre o assunto, o Jornal do Brasil de 2 de abril de 1970, valendo-se de pesquisa realizado por Jota Efegê, publicava matéria sob o título "Feras enjauladas no primeiro jogo noturno", que é aqui transcrita:
"Quando em marçou de 1928, no dia 31, o Vasco da Gama enfrentou o Wanders de Montevidéu, numa partida amistosa que se realizou à noite, no seu estádio de São Januário, não foi o primeiro a praticar o futebol sob as luzes dos refletores. Tomás Mazzoni (Olímpicus, no pseudônimo com que se notabilizou na crônica esportiva), ao fazer essa afirmativa em sua História do Futebol no Brasil, equivocou-se. O que o vitorioso clube do Almirante fez foi dar projeção aos jogos noturnos em campos oficiais, também como está no citado livro.
Mas a primazia pertence a uma outra agremiação desportiva, não tão pujante quanto a da Cruz de Malta, dona de muitos triunfos em terra, no mar e em lagoa (a Rodrigo de Freitas, principalmente). Cabe, por direito, ao Vila Isabel, o simpático clube de 28 de Setembro, fundado a 2 de maio de 1912, quando a conhecida artéria esnobava sua denominação de boulevard. Foi ele que, em 1914, pela primeira vez no Brasil e, cremos, na América do Sul, proporcionou ao público carioca a satisfação de assistir ao seu esporte predileto praticado à noite - conforme informação precisa de O Imparcial, na época um matutino de grande prestígio no meio esportivo, e que contava com os conhecidos cronistas Perigoso (Raul Loureiro Filho) e K. K. Reco (Norberto Bittencourt)".
A tal matéria se dividia em vários entretítulos, o primeiro dos quais lembrava que 12 lâmpadas de 3 mil velas iluminariam o campo de jogo, que ficava dentro do antigo Jardim Zoológico, na Rua Visconde de Santa Isabel, esquina de Barão do Bom Retiro. Foi ali, entre as jaulas das feras expostas aos visitantes, "que o Vila Isabel e o scratch da cidade de Campos se defrontaram.
Certamente, esta realização primeira - a que uma dúzia de lâmpadas de 3 mil velas por unidade, não pôde dar a eficiência mais tarde (1828) obtida com poderosos refletores - deixou muito a desejar. O clube visitante, que chegara poucas horas antes da peleja, foi derrotado facilmente por quatro goals a nihil, ou seja, 4x0 na usança simples de agora.
O fracasso do eleven (traduza-se intuitivamente para onze) fluminense não se deveu apenas à superioridade do team (grafe-se aportuguesanto a pronúncia) carioca. Os cronistas atribuíram-no, em parte ao campo (eles escreveram field) não perfeitamente iluminado, pois segundo a narrativa de um confrade de então, à noite, quem quiser obter uma certa vantagem, não tem mais do que impulsionar a esfera de grande distância e com violento shoot sobre as barras antagonistas. Foi, certamente, essa a tática dos players locais, aproveitando a visibilidade que calculavam não ser perfeita para o goal-keeper".
Que esse primeiro jogo noturno levado a efeito no Zoológico da cidade, entre feras devidamente contidas pelas grades de suas jaulas e, deduz-se, perturbadas no seu sossego pela gritaria dos aplausos dos torcedores, foi um acontecimento, não há dúvida. Veja-se como, no sábado, 5 de setembro de 1914, o noticiou O Imparcial, diário a que se recorreu pela sua importância, já aludida, no setor desportivo daquele tempo:
"O football será jogado á noite - Pela primeira vez, no Brasil, e cremos que na América do Sul, vae o publico carioca ter a satisfação de assistir ao seu sport predileto praticado á noite. O Villa Izabel Football Club, cuja prosperidade, extraordinaria é motivo de orgulho para os seus dirigentes, é o iniciador desse melhoramento, cujo sucesso é indiscutivel. A convite seu, commemorando esse emprehendimento, virá estrear essa diversão um scratch da Liga Campista de Football, da prospera e adeantada cidade do Estado do Rio. É a primeira vez que vem ao Rio um combinado de footballers daquela cidade.
O primeiro encontro terá logar hoje ás 9 horas da noite, entre o Scratch Campista e o 1º team do Villa Izabel. Os footballers campistas serão hospedados no Hotel de France.
Para esta festa foram convidados o general prefeito, seu secretario, tenente Gregorio Fonseca, deputado Joaquim Ozorio, senador Nilo Peçanha, dr. Pereira Nunes e altas autoridades do Estado do Rio".
Pela leitura dessa notícia, na qual se observou a grafia em uso para se fixar a época, vê-se na relação dos convidados de destaque que esse jogo interestadual (naquela época), servindo para a realização de um fato inédito no futebol carioca, teve, como era justo, cunho solene. Foi, como diria um cronista social de hoje, verdadeiro happening.
Autor desta página:
Sidney Barbosa da SilvaFontes:
www.ururau.com.br do livro História do Futebol Campista, Editora Cátedra, 1989, de
Paulo de Almeida Ourives.
Página adicionada em 28 de setembro de 2010.